segunda-feira, 17 de maio de 2010

A primeira luz

Olha, me desculpem todos vocês (cinco) que vão ler esse post, mas eu to mal humorada.

A vida mais plena, confortável e feliz possível nos é dada quando ainda mal se pode chamar de vida aquilo que realmente temos. Então uma mão nos arranca dessa plenitude, a luz nos tira da penumbra perfeita e um ambiente frio nos arranca a comodidade que só o ventre materno proporciona. Então a vida vira um sem-fim de desconfortos. De repente precisamos aprender a separar o necessário do desnecessário. Oxigênio de gás carbónico, nutrientes de restos dispensáveis. Nossa íris precisa aprender a abrir e fechar na busca pela quantidade necessária de luminosidade e nossos tímpanos aprendem a vibrar e transmitir o que o cérebro descobre serem códigos fundamentais pra mais e mais quebras de coração, de paradigmas, de tristeza, de marasmo. Não é à toa que o primeiro som que o ser humano emite é o choro. E também não é coincidência que é a ele que recorremos cada vez que algo nos é arrancado subitamente. A vida é um sem-fim de berros e lágrimas.

365 dias formam o ciclo que parte desse dia fatídico. Como se não bastasse que a cada ano nos seja lembrado o momento em que a vida ficou mais difícil, ela assim se torna cada vez que o ciclo se fecha. Precisamos andar, falar, comer, saber se portar, ir ao banheiro, julgar… tudo sozinhos. Cada vez mais, cada ano mais sozinhos. E o pior: comemoramos a crescente dessa solidão.

Caminhamos para o só, para uma vida independente. Independência ou morte? Independência ou vida! Independência ou conforto! Independência ou companhia! Independência ou colo, ou ajuda, ou compreensão. Independência ou amor incondicional. A independização é um mal necessário. Mais. É um mal obrigatório, é um mal imposto 365 dias do ano, 24 horas por dia, numa crescente desde o dia em que você nasceu. Alguém perguntou se você queria ser independente? Você disse que sim? Agora toma!

Não obstante, você olha ao redor. Um grande suspiro, um passo adiante. Tudo dá medo. Muito MUITO M U I T O medo. Mas vamos lá. "Primeiro o direito, depois o esquerdo". Uma, duas, três. Eu aprendi a caminhar três vezes nos meus (quase) 24 anos de vida. Nenhuma delas foi fácil. Aí eu saí de casa. Uma, duas, três. Saí de casa três vezes. Essa, a derradeira (espero) é tão definitiva quanto difícil. E dói. COMO DÓI! Claro, das três vezes que eu aprendi a caminhar, a última foi a que deu mais medo. Quanto mais velho, independente e cheio de conhecimento a gente fica, mais medo a gente tem. De perder o quê? A capacidade de dar os próprios passos, a independência. Logo ela que foi um péssimo negócio, pra começar a conversa.

Todo ano é a mesma coisa. Chega lá pelo 355° dia e ferra tudo. Só que tá piorando. Ano após ano o caminho em direção à independência (ou à solidão) fica mais sinuoso e me faz pensar mais. Será que eu quero chegar onde eu to indo? Inspira. Expira. Foco no horizonte.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Questão de hábito

Comecei a pensar que tudo na vida é uma questão de hábito. Hábito. Como quando eu tinha 10 anos e descobri que ler me ajudava a fugir da realidade, ou aos 12, quando Titanic me carregou pela primeira vez a pensar como seria a vida dentro de uma grande tela. E é assim que a gente os adquire: quase sem querer. Uma tentativa aqui, uma descoberta ali e foi. Aquilo que era apenas algo que se fazia por fazer vira uma necessidade. Mais. Vira parte do eu mais que da persona.

Eu acredito no amor. Não, isso não é exatamente verdade. Vou reformular.

Eu acredito que duas pessoas possam ser felizes juntas. Eu acredito na força de vontade pra isso acontecer. Eu acredito no perdão, na tolerância, na compreensão. É isso. Não é na aliança, no compromisso, no contrato social que eu acredito. Mas não se engane. Eu também não acredito no frio na espinha, nas borboletas no estômago, no enrubescer das maçãs. Eu não acredito em calafrio, nem em dor física sem motivo, nem em lágrima fria escorrendo no rosto quando se diz adeus. Não me venha com abraço apertado, beijo de despedida, olhares cruzados, pele, mãos, cabelo, língua. Não acredito em fogo nem em nada disso.

Eu acredito em filhos bem criados. Acredito em abrir a porta do carro, em tapar no frio à noite, no almoço na mesa, no "deixa que eu abro o vinho". Acredito na nova receita que eu peguei no livro do Jamie Oliver, na música que tocou na rádio, no "leva um casaco" e "te vejo à noite".

Por isso eu sou uma cética no amor. Eu não acredito na densidade, na depressão, na dependência. Eu acredito na estabilidade, na felicidade, na coexistência. Isso é bom. Isso é sólido: o hábito.

E, ao contrário do "apaixonar" - pra mim sempre tão difícil - eu vejo o desapaixonar com mais facilidade. Desapaixonar não é como largar um velho vício. O fumante não é apaixonado pelo cigarro, o cigarro é parte dele, é pele, é natureza, muito mais que um simples skipped heartbeat toda vez que aparece. Se o amor é hábito, o desamor é recomeço, é racionalização, é trocar de roupa. Simples, tranquilo. O desapaixonar flui, expira. O ar entra, o amor sai.